Myanmar, a inocência que cativa.
3337 km totais percorridos pelo país
250 km a pé
57 xixis em buracos no chão
2 noites a dormir no chão
6 noites a dormir no autocarro
1 noite no comboio
2 tardes a andar à boleia
1 tentativa de conduzir uma mota
1 tentativa de pôr uma ambulância a funcionar de empurrão
1 noite com todo o tipo de insectos num bungalow
8 “mototáxis” sem capacete
3 horas numa pickup cheia de locals
58 horas de autocarro
21 horas de barco
44 horas de avião
10 horas de comboio
1 dia com Thanaka na cara
842 “mingalaba”
678 “jézú temara”
23 pedidos para tirar fotos comigo
70 litros de água
9 refeições de fried rice
13 refeições de fried noodles
Não me lembro o que me fez despertar curiosidade sobre este país. Não faço a mínima ideia. Fecho os olhos e tento lembrar-me do primeiro momento que meti na cabeça que queria visitar a Birmânia…não recordo.
Há anos que eu e a Belinha dizíamos que iríamos fazer uma viagem juntas. Os anos passam e embora já tivessem passado dez anos desde que nos conhecemos, só agora se proporcionou. Cada uma teve a tarefa de pensar onde gostaria de ir. Teria de ser ou um país na Ásia que nenhuma de nós tivesse ido ou outro lugar no mundo que não fosse muito caro. Incrivelmente as duas aparecemos com a mesma ideia: Myanmar.
Como sempre, parti sem ter noção da rota. Não planeámos muita coisa até porque não há muita informação sobre este país. Só desde 2010 é que é possível a visita por turistas. Vimos uns blogs recentes para tirar umas ideias e levámos o Lonely Planet. A única coisa que tratámos antes foi do evisa ($50 online) e eu de algumas vacinas que me faltavam. No entanto, era possível comprar o visto no aeroporto.
Fizemos um draft do percurso pelo caminho, na longa viagem de 22 horas até lá. A verdade é que o país é imenso e há muita variedade de destinos e actividades. Infelizmente houve zonas que tivemos de cortar à partida por não ser possível fazer tudo desta vez.
Na minha percepção, as viagens vão-se construindo à medida que avançamos nas mesmas. Há sempre alguém que conhecemos que nos inspira, dá uma dica especial ou sugere algo inesperado. Os caminhos podem tomar direcções diferentes se nos deixarmos levar. Se deixarmos que as expectativas vão surgindo sem termos traçado as nossas decisões de um modo firme.
O importante é ter as vacinas, o visto, o passaporte em dia, o bilhete de avião e sítio para dormir a primeira noite. Depois vamos vendo o que apetece 🙂
Aterrámos em Yangon, a antiga capital. A Birmânia mudou de capital recentemente e também de nome. Antes o país era “Burma” e passou a ser “Myanmar”. A capital já foi em várias cidades. Aqui, neste país, a mudança faz-se por acreditar que nos devemos limpar-nos das coisas passadas e mudar por completo para um novo começo. Uma filosofia que eu devia seguir mais vezes. Gostava que a minha vinda aqui me fizesse essa lavagem cerebral automaticamente!
A nova capital é Naypyidaw e acabámos por nem passar por lá porque nos disseram que é tudo construído recentemente e que o nosso tempo deveria ser utilizado noutras experiências.
O nosso percurso foi:
Yangon – Mandalay – Bagan – Mont Popa – Meiktila – Inle Lake – Golden Rock – Myeik – Dawei -Mawlamyine – Yangon
Gastámos em média cerca de 390€ por pessoa. O voo foi 690€. Estivemos em terras birmanesas 17 dias.
Gastei um total de 1155€ já a contar com visto e vacinas. Os souvenirs conto sempre à parte. Confesso que não me dedico muito a procurar prendas. Prefiro trazer se faz mesmo sentido aquele detalhe para aquela pessoa.
Não deu para ver tudo o que gostaríamos mas agora que acabou, (escrevo isto ainda em Amesterdão na escala de volta a casa) vejo que fomos ambiciosas e conseguimos ver muita coisa em poucos dias com um budget muito abaixo do que esperava gastar.
Li em vários sítios que o alojamento na Birmânia ainda não está adaptado ao espírito backpacker e pensei que fosse mais caro. A verdade é que só em Yangon e Mawlamyine é que conseguimos encontrar backpacker hostels. Apenas no de Yangon havia dormitórios. No resto das cidades ainda não há esse conceito muito enraizado.
Optámos por muitas viagens nocturnas em autocarros e comboios, fizemos couchsurfing e ficámos sempre nos hotéis mais baratos que encontrámos. Claro que este é um estilo de viagem que aprecio muito. Talvez porque a minha conta bancária também não me permite de outro modo.
A verdade, é que nem todas as pessoas entram num autocarro nocturno de 12 horas com a mesma disposição. Nunca consigo dormir o tempo todo e não será certamente igual a descansar numa caminha. Mas à saída desse autocarro a vontade de sentir o local tem de ser o mais importante. Confesso que para mim estas viagens são terapêuticas. Oiço a minha música e organizo o meu pensamento, mas entendo que possa não ser assim para toda a gente. No máximo faço sempre apenas duas viagens nocturnas seguidas porque sinto que mais do que isso, o cansaço acumula e a necessidade de um banho quente e uma almofada, teima em aparecer.
Nestes países os voos internos não são caros e na Birmânia há muitas companhias locais que operam que não aparecem nos motores de busca habituais. Existem nas principais localidades várias agências onde é possível comprar voos e pelo que entendi, nestes casos, os preços não variam muito com a antecedência que se compra. Por isso é uma boa opção para quem quer evitar longas horas de autocarro. Claro que o preço do autocarro e comboio é mesmo muito mais barato quando comparado com avião e se houver tempo e paciência acabam por ser uma opção mais em conta e rica em experiências. A minha viagem não seria a mesma sem as histórias sobre as estações de serviço peculiares, as paragens em que nos largaram no meio de nenhures ou as personagens caricatas que fomos conhecendo ao longo do caminho.
Claro que se me propuserem uma viagem cheia de confortos e luxos a que não estou habituada, irei considerar isso um maior desafio e de certa forma gostava de entender as diferenças e a maneira como me sentiria. Talvez um dia 😉
Na Birmânia não é permitido que os estrangeiros fiquem em casas privadas. Têm de ficar sempre em hotéis. Entendemos isso ao longo da viagem porque estranhámos haver tão pouco couchsurfing nas várias localidades. Acabámos por o conseguir fazer embora com a noção de que poderia chegar a imigração a qualquer momento e talvez não desse para lá ficar.
Sempre que possível, experimentei comida de rua e procurei os sítios onde estavam presentes muitos birmaneses. A verdade é que não como muito. Gosto de comer, experimentar pratos diferentes e sabores fora do habitual. Trabalho numa app de restauração e por isso a comida tem um papel fulcral na minha vida. A minha sorte é que de facto não preciso de uma grande quantidade para ficar saciada e a minha companheira de viagem também é assim. Isto facilitou imenso as nossas contas porque as doses servidas quase sempre chegaram para as duas. Houve vezes em que sobrou comida de apenas uma dose. As doses nos sítios de street food normalmente andavam na ordem dos 1500-2000kyats (1€-1,5€). Por isso se comerem muito e precisarem de uma dose inteira será mais ou menos este valor extra que irão gastar.
Negociámos os transportes em todas as situações e apanhámos pickups que servem de autocarro local sempre que a comunicação o permitia. Andámos à boleia algumas vezes e apesar de sermos duas meninas magrinhas e provavelmente indefesas, sentimos que era completamente seguro.
Ao contrário de alguns países em desenvolvimento e não me focando nas zonas mais turísticas, os birmaneses ainda não olham para os estrangeiros como um poço de ouro a quem vai ser fácil estorquir dinheiro. São simples, naives de um modo belo e cativante. Querem sempre ajudar e que gostemos do seu país. É claro que num lado ou outro há sempre alguém que inflaciona o preço e por isso é importante fazer amigos locais para lhes perguntar qual o valor justo a pagar.
O importante das viagens em que queremos aproveitar ao máximo e temos budget limitado é não ter vergonha. Perguntar. Reclamar. Sugerir. Procurar alternativas e não seguir padrões. Descobrir. Tudo aquilo que escrevo é a minha percepção. A tua pode ser outra totalmente diferente e não estará errada por isso. Cada pessoa sente as viagens de um modo muito seu e é esse o modo certo.
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Inês
Lígia, fiquei com o bichinho de Myanmar e dps de ler os teus posts esse bichinho cresceu mais.
Em finais de outubro irei para Chiang Mai que é relativamente “perto” da Birmânia, estou com bastante curiosidade e vontade de desta vez (ou numa próxima quiçá) me “perder” por terras birmanesas 🙂
Gostaste da comida? 🙂
Tem tudo um ótimo aspeto.
acrushon
Perde-te por terras birmanesas sim 🙂 É extraordinário! A comida era uma mistura de sabores da Índia e China e coisas que nunca tinha visto antes 🙂 Vale mesmo a pena 🙂
Catarina
Adorei a descrição! Confesso que acho sempre fascinantes estes tipos de viagens porque é uma coisa que não tenho a mínima predisposição para fazer. Mas adoro sempre os relatos das aventuras, das peripécias engraçadas, que de outra forma seria difícil, para não dizer impossível, experienciar. Tal como tu falas das viagens mais ‘luxuosas’ (as que eu faço não são luxuosas, mas o mínimo é ter um hotel para dormir ahahah) digo eu o mesmo em relação a viajar de mochila às costas: talvez um dia 🙂 um beijinho enorme* e fico à espera do resto dos relatos da vossa viagem!
acrushon
É um desafio 🙂 É sempre uma boa experiência para perceber o que nos faz mesmo falta e o nível de conforto que precisamos realmente. Claro que uma almofada boa é sempre melhor 😉